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A marcha dos "18 do Forte de Copacabana" |
A história do Brasil foi sempre marcada pelo esforço militar em defender o Estado, seja o Estado português na ocupação do território brasileiro no período colonial, seja o Estado monárquico que necessitou sufocar as resistências do período regencial ou mesmo e, principalmente, no período republicano em que as forças militares estiveram no palco diversas vezes.
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Major Miguel Costa |
Quase sempre os militares e, principalmente, os policiais militares foram os defensores da ordem, da legalidade, dos governantes e da elite política dominante, contudo em momentos de crise a mesma força dócil soube sobrepujar as elites e firmar-se como um elemento de estabelecimento de uma nova ordem, pensada como mais justa e voltada aos anseios populares.
Historicamente, quanto mais mal pagos e mais acossados os militares estão, desta forma, mais sensíveis aos apelos de mudança, reforma ou até revolução. Daí tivemos a luta dos marinheiros para suprimir os castigos físicos na "Revolta da Chibata", a participação de militares do Exército na derrubada da "política dos governadores", na chamada República Velha, onde os militares de baixa patente, principalmente, os tenentes, capitães e majores cerraram fileiras com os seguimentos mais progressivos da sociedade nacional e se lançaram na "Revolta Tenentista". Bons tempo aqueles!!!
Nesse contexto de revolta contra o sistema político vigente figuras como o o Tenente Eduardo Gomes, o Capitão Luis Carlos Prestes, o Major Miguel Costa tiveram que dar "a cara a tapa" e quebrar os pilares da disciplina e da hierarquia, na defesa de uma ordem social mais justa. E, com certeza, nesse embate a questão salarial pesava, tanto assim que as forças militares federais não tiveram como frear as revoltas da caserna.
A desunião infelizmente cumpriu seu papel nesse movimento, pois os interesses pessoais dividiram as forças antes unidas e, após o golpe de 1930 vê-se a divisão dos militares entre INTEGRALISTAS, os componentes da ANL e os COMUNISTAS.
Os INTEGRALISTAS (defensores da vertente nazi-fascista aos moldes nacionais) apontavam para os modelos alemães e italianos de construção da nacionalidade com manifestações histéricas de adesão incondicional ao Estado.
Os oportunistas e enquadrados compuseram a ALIANÇA NACIONAL LIBERTADORA, via de regra ocuparam os melhores postos no governo, mantendo-se quase sempre subservientes e alinhados à política varguista.
Esses dois primeiros grupos, plenamente enquadrados na política nacional-fascista de Getúlio Vargas que, nos últimos momentos da Revolução de 30 soube se fardar e aproveitar o momento tornando-se o líder do golpe, dada a ingenuidade dos tenentes.
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Capitão Carlos Prestes |
O terceiro grupo foi composto pelos militares socialistas e comunistas, os quais não conseguiram ecoar suas propostas no governo Vargas que, até 1932 postergou as reformas constitucionais, motivando inclusive a Revolução Constitucionalista de 1932 e que em 1937 foi surpreendido com o Golpe do Estado-Novo, forçando boa parte dessas lideranças militares a buscar o exílio.
Nesse percurso, centrando a análise na Polícia Militar do Pará, uma pergunta é oportuna: onde estava a PM paraense nesse contexto?
A tradição conta que desde o seu nascimento, em 1818, o Corpo de Polícia do Pará se erigiu dentro da "vocação legalista" senão vejamos.
Criada pelo Conde de Vila-Flor, destinou-se a manter a lei e a ordem, desobrigando as tropas de 1ª Linha ao exercício do policiamento, tendo à frente da polícia o Major José Victorino de Amarantes. Consta ainda que lutou contra a Cabanagem, mas há relatos de que o líder Cabano Eduardo Angelim, nas reformas do Corpo de Municipais Permanentes, nome pelo qual a PM ficou conhecida, assumiu o Comando desse corpo. Aí temos uma contradição: seria elemento da ordem ou da desordem? Ao que parece, os descontentamentos com o modelo e a ordem estabelecida juntou parte dos municipais permanentes em torno do líder cabano que, inclusive, comandara pessoalmente em algumas operações de controle da ordem em Belém.
Restaurada a ordem pelo General Andréas a força policial do Pará teve na Guerra do Paraguai o emprego nos rincões paraguaios, ao lado do Exército nacional, sob a denominação de 1º e 2º Corpo Paraense de Voluntários da Pátria.
Quando da proclamação da República a tropa policial do Pará, quase nos termos dos "bestializados" de José Murilo de Carvalho, acatou o movimento que, praticamente, se deu nos bastidores.
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Vargas fardado |
Implantada a república vem a necessidade de se enviar a tropa policial para os sertões de Canudos, em 1897, como forma de consolidar a imagem do Pará como um Estado à altura de São Paulo e Amazonas, os quais, à propósito também enviaram suas tropas aos sertões bahianos. Esse contexto imortalizou a figura do Coronel Fontoura, à época TEN CEL, pela "bravura" e "heroísmo" em ter avançado sobre o arraial, mesmo sem ordem do Comando do Exército para dar aquele combate.
Interessante que um ato de desobediência imortalizou um coronel da PM e deu-lhe louros de herói. Outra pergunta que se faria: que padrão é esse de heroísmo? A história não relata nem um enfrentamento do Coronel Fontoura com a "marginalidade" daquela época, nas ruas de Belém. Contudo, deixa evidente que foi o Comandante Geral de maior longevidade na função: 11 anos de comando e, ainda, que esteve alinhado à política governamental da época e, por ter confiado nos políticos, amargou na reserva o atraso no soldo e os baixos salários que, numa história não oficial, teria levado o "herói de Canudos" a entregar-se à bebedeira, jogatina e roubado-lhe a saúde mental.
Talvez a "síndrome de Fontoura" seja a forma encontrada por governantes posteriores para atormentar muitos oficiais da PM que não tiveram os seus direitos reconhecidos na reserva ou reforma, sem discriminação de posto ou graduação, em que a ordem do dia é cortar os direitos conquistados no trabalho árduo de policiamento ostensivo.
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Capitão Barata - Interventor federal do Pará |
Mas a PM continuou defendendo a ordem e o Estado e, no movimento tenentista, reprimiu duramente os tenentes do Exército nas ruas de Belém nos anos de 1820 à 1930, tendo inclusive prendido por algumas vezes o Tenente Joaquim de Magalhães Cardoso Barata, futuro interventor federal. Outra atuação repressiva da PM contra os inconfidentes tenentistas, num duro confronto, ceifou a vida do Capitão do Exército Assis de Vasconcelos e do lado da PM a do Tenente PM Luiz Rodrigues Ferreira da Silva, na rua que após a vitória da Revolução de 30, recebeu o nome do Capitão do Exército.
Uma vez imposta a nova ordem com a Revolução de 30, foi extinta a PM, por não atender as necessidades governamentais. Esse foi o soldo pago pela manutenção da ordem pública. Felizmente, as forças policiais acostumadas à repressão contra as desordens dos tenentes foram acionadas pelo próprio Magalhães Barata para conter a mobilização da Guarda Civil rebelada que contava com apoio de estudantes.
Chico Buarque de Holanda, em Geni e o Zepelim, sintetiza bem como uma instituição pode ser tratada ao longo da história. Ora serve aos interesses e é bem tratada, ora merece levar pedrada e ser xingada.